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Opinião: Olhar de Moraes a Gonet revela confissão espontânea de Bolsonaro

do UOL

Beto Vasques*

Colunista convidado

12/06/2025 05h30Atualizada em 12/06/2025 14h21

Sem risco de errar, "a foto" dos dois dias de julgamento do núcleo central do golpe foi capturada no olhar, entre o espanto e a iração, dirigido pelo ministro relator Alexandre de Moraes ao procurador-geral da República, Paulo Gonet.

A surpresa foi resultado da resposta afirmativa —"sim, senhor"— dada por Jair Bolsonaro à indagação de Moraes: "A cogitação, a conversa, o início dessa questão de estado de sítio, de estado de defesa, teria sido em virtude da impossibilidade de recurso eleitoral?".

Pois é, neste contexto, uma legenda possível para essa imagem, especulando-se sobre qual seria a reflexão do ministro, arrisca-se: "Taí, Gonet! Não é que ele confessou?"

O desconcerto subsequente do procurador-geral foi igualmente eloquente: entre o susto e a satisfação, gaguejando, ele itiu que faria justamente aquela pergunta em seguida —mas que, diante da confissão, não havia mais necessidade. O trabalho estava feito.

Ministro Moraes olha para o PGR Gonet, no interrogatório do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre tentativa de golpe - Reprodução/TV Justiça - Reprodução/TV Justiça
Ministro Moraes olha para o PGR, Paulo Gonet, no interrogatório do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre tentativa de golpe
Imagem: Reprodução/TV Justiça

Bolsonaro acabara de superar a si mesmo em sua infinita capacidade de produzir provas contra si —e, como corolário, parafraseando a Zola na defesa de Dreyfus, bradava de dentro do tribunal para o país inteiro: "Eu ME acuso!"

Sim, o capitão reconheceu, no tribunal, que diante da impossibilidade de contestar o resultado eleitoral, por vias legais, deu início à conspirata. Um verdadeiro míssil na linha de flotação da principal estratégia de sua defesa, para desalento de seus advogados, que tentavam sustentar a tese de que, após as eleições, Bolsonaro apenas aventara, como uma mera inferência hipotética, o uso de dispositivos constitucionais, "tudo dentro das quatro linhas", como forma de lidar com o descontentamento popular.

Uma fabulação inofensiva, que não teria ado de uma conjectura que jamais poderia configurar o início de qualquer tentativa real de golpe.

Essa confissão incriminatória, contudo, não restou isolada. Bolsonaro tratou de incrementar o enredo golpista evidenciando sua conduta delituosa em diversas outras agens da inquirição. Reconheceu, por exemplo, ter se reunido com os altos comandos das Forças Armadas para discutir a aplicação dos "dispositivos constitucionais" —estado de sítio, estado de defesa e GLO, com o que ainda arrastou o ex-ministro da Defesa Paulo Sergio Nogueira e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier para sua fogueira confessional.

Não satisfeito, o ex-presidente também itiu que não conseguiu alcançar o "clima", a "base" e a "oportunidade" para levar adiante seu intento. Ou seja, confessou não só que a execução do golpe teve início, como terminou frustrada por motivos alheios à sua vontade.

Por fim, em um derradeiro sincericídio, resgatando o linguajar habitual, contido durante boa parte do julgamento, Bolsonaro itiu:

"Tivemos que entubar o resultado."

Ora, com o perdão do leitor, quem é "entubado" o é por falta de opção, não por escolha. Se restava ainda alguma dúvida ao mais garantista dos garantistas, ela se dissipava ali. O ex-presidente não só confirmou que iniciou a execução do golpe, como reconheceu que este fracassou e, por isso, teve de engolir a contragosto o resultado eleitoral.

Como se não bastasse a abundância de provas já colhidas —seja pelas manifestações públicas (como no 7 de setembro de 2021 ou na fatídica reunião com embaixadores), seja pelo produzido pela investigação (testemunhos, delação, minutas, planos e diálogos nada republicanos via zap), agora temos também as inesperadas confissões feitas durante o julgamento.

O batom carmim já não está na estátua, recuperada pelos restauradores, mas permanece, como desde sempre, só que ainda mais reluzente, na cueca de Bolsonaro.

*Beto Vasques é professor da FESPSP (Escola de Sociologia e Política de SP) e diretor do Instituto Democracia em Xeque.

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